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LUKE

Umas das coisas mais interessantes do ofício do artista é viver todos os dias em uma jornada de inúmeras possibilidades.


Produzo em Florianópolis, uma ilha no sul do Brasil. É uma cidade relativamente pequena e com uma energia mais tranquila, mais pacata. Mesmo produzindo aqui, longe da velocidade e efervescência dos grandes centros, a produção dentro do ateliê não tem limites, rótulos ou estagnação.


O artista apaixonado pela arte tem o privilégio de viver uma vida inteira explorando caminhos novos sempre que tem vontade. Independente da localização geográfica, o seu caminho é múltiplo.

Sei que em toda a profissão os caminhos possíveis são inúmeros, mas dentro desse mundinho aqui, não existe fim.


Os temas que abordamos são vivos e mutáveis, pois são a própria vida. As questões sobre materialidade se desdobram em superfícies, técnicas, densidades, pigmentos, processos, acabamentos, maneiras do fazer. São mundos específicos e cada um deles, se abre infinitamente, como que raízes de uma grande árvore.


Uma de nossas funções é escolher, selecionar aquilo que nos toca, e decidir mergulhar em um mundo particular. E mergulhar tão fundo quanto quisermos.

São praticamente mergulhos no escuro. Tipo aquelas cenas de mergulho profundo no oceano, onde só conseguimos ver o feixe de luz a partir da nossa cabeça. Ao redor, é tudo escuro


E no nosso mundo, não existe algo como uma validação. Não existe uma receita de bolo, um caminho a se seguir. Nós pavimentamos nossa estrada todos os dias. Todo mergulho é basicamente um mergulho de fé, de intuição. A escolha de onde mergulhar é empírica, intuitiva. Você mergulha porque acredita que tem algo de bom naquele lugar

Não sabemos bem o porquê daquele mergulho. Não temos garantia nenhuma de que vamos chegar em algum lugar. Nem imaginamos os desdobramentos possíveis.

No fim, nem sabemos o que existe ali para nós, mas temos essa sensibilidade que nos sussura “vai por ali que vai ser bom”.


Até pouco tempo atrás, eu fui um artista focado nas formas. Meu interesse sempre se desenvolveu em cima de percepções que me chamavam atenção. As obras buscavam representar uma mensagem. Algum questionamento, alguma provocação, ou simplesmente a forma como enxergo algo mundano, normal.

E dentro desse caminho eu me desenvolvi. Artista autodidata, busquei mestrar a forma. E, através da forma, encontrar e expressar minha poética.


E a tal da porta da poética sempre ficava entreaberta. Era como se eu passasse na frente dela e desse uma espiada. Nunca meti o pé na porta e entrei com tudo.

Ainda não sei o porque, e não tive curiosidade de descobrir.


Só sei que de um mês para cá, eu abri essa porta e me posicionei ali dentro.

E essa porta se apresentou pra mim como o universo da cor.

Simplesmente porque me chamou atenção. Por diversas vezes, me peguei pensando na expressão e vida das cores. E, como sempre, a vida fez o seu papel. Uma, duas, três, quatro conversas interessantes e curiosas sobre cor. Sobre composição, pintura acadêmica, teorias de cores, técnicas, misturas, pigmentos, balanço, e por aí vai.

Resolvi mergulhar na cor. No mundo, no universo, na infinitude da cor.

E ali eu me perdi. Estudando e praticando. Livremente, testando e experimentando. Nadando livre. Sem lugar nenhum para chegar e sem nenhuma obrigação de produzir uma obra de arte. Apenas navegando. Adicionando cor, removendo, mudando, diluindo, misturando, sentindo.

Deixei a cor me levar, como se ela me pegasse pela mão e dissesse “vem comigo que depois eu te explico”.


E nesse passeio com os pincéis, uma imagem foi surgindo na minha frente.

Fui falando pra ela o que eu estava achando daquilo tudo. E compartilhando com as cores meus gostos e desgostos. Conduzindo e sendo conduzido.


E nesse passeio, encontrei o Luke, que por algum momento chamei de Edgar.

O Luke parece um pescador que encontrei de manhã cedo. Em um dia ventoso, de chuva e frio.

Enxerguei nele as marcas do tempo. A pele marcada e o olhar experiente, compartilhando comigo o efeito do tempo.

E ele ficou ali ali, me observando com um sorriso tímido. Me falando que tá tudo bem.

Falando pouco, falando manso.

Me disse que confiar no caminho é uma chave para a liberdade, e que todo o mergulho inteiro no desconhecido é repleto de felicidade.

 
 
 

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